Nos últimos anos, a ciência tem revelado uma conexão íntima entre o intestino e o cérebro, conhecida como o eixo intestino-cérebro. Essa interação bidirecional envolve uma comunicação constante entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central, influenciando não apenas a saúde digestiva, mas também a saúde mental. A disbiose intestinal tem sido associada a uma série de transtornos mentais, incluindo depressão, insônia e ansiedade, principalmente devido à sua capacidade de promover neuro-inflamação.
O eixo intestino-cérebro envolve múltiplos sistemas, incluindo o sistema nervoso entérico (localizado no intestino), o sistema imunológico, o sistema endócrino e o sistema nervoso central. A microbiota intestinal, composta por trilhões de microrganismos, desempenha um papel crucial na regulação dessa comunicação. Através da produção de neurotransmissores, ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e outros metabólitos, as bactérias intestinais podem influenciar a função cerebral e o comportamento.
A disbiose intestinal ocorre quando há um desequilíbrio entre as bactérias benéficas e patogênicas no intestino. Esse desequilíbrio pode levar a um aumento da permeabilidade intestinal, permitindo que endotoxinas bacterianas, como o lipopolissacarídeo (LPS), entrem na circulação sistêmica. A presença de LPS no sangue pode ativar o sistema imunológico e promover uma resposta inflamatória, resultando em neuro-inflamação quando essas moléculas inflamatórias alcançam o cérebro.
A depressão é um transtorno mental complexo que tem sido associado à disbiose intestinal e à neuro-inflamação. Estudos mostram que pacientes com depressão frequentemente apresentam alterações na composição da microbiota intestinal, com uma redução das bactérias benéficas e um aumento das espécies patogênicas(1). A neuro-inflamação, mediada por citocinas pró-inflamatórias, pode afetar a neurogênese e a plasticidade sináptica, contribuindo para a patogênese da depressão. Um estudo demonstrou que o transplante de microbiota fecal de pacientes com depressão para camundongos induziu comportamentos depressivos nos animais, sugerindo um papel causal da microbiota na depressão(2).
A insônia também tem sido associada à disbiose intestinal. A inflamação sistêmica e a neuro-inflamação podem afetar a regulação do ritmo circadiano e a produção de melatonina, um hormônio crucial para o sono. Pesquisas indicam que a disbiose intestinal pode alterar a produção de neurotransmissores como serotonina e GABA, que desempenham papéis importantes na regulação do sono(3). Estudos em animais mostram que a manipulação da microbiota intestinal pode melhorar a qualidade e reduzir a latência do sono(4).
A ansiedade é outro transtorno mental que tem uma forte ligação com a saúde intestinal. A disbiose intestinal pode influenciar a produção de neurotransmissores e hormônios do estresse, como o cortisol, exacerbando os sintomas de ansiedade. Um estudo mostrou que a suplementação com probióticos pode reduzir os níveis de cortisol e os sintomas de ansiedade em indivíduos saudáveis(5). Além disso, a neuro-inflamação associada à disbiose pode alterar a função do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que regula a resposta ao estresse, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade(6).
A disbiose intestinal tem sido implicada também em outros transtornos mentais, como esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno do espectro autista. A inflamação sistêmica e a neuro-inflamação desempenham papéis centrais na patogênese desses transtornos e intervenções que visam restaurar a saúde intestinal podem oferecer novos caminhos terapêuticos.
A conexão entre o intestino e o cérebro, mediada pela microbiota intestinal, desempenha um papel crucial na saúde mental. A disbiose intestinal e a neuro-inflamação associada são fatores importantes na patogênese de transtornos mentais. Abordagens terapêuticas que visam melhorar a saúde intestinal, como o uso de probióticos, prebióticos e, principalmente, uma dieta equilibrada, podem oferecer benefícios significativos para a saúde mental. A compreensão dessa complexa interação abre novas possibilidades para o tratamento e a prevenção de transtornos mentais.
Referências Bibliográficas
1. Jiang, H., Ling, Z., Zhang, Y., Mao, H., Ma, Z., Yin, Y., … & Ruan, B. (2015). Altered fecal microbiota composition in patients with major depressive disorder. Brain, Behavior, and Immunity, 48, 186-194.
2. Kelly, J. R., Borre, Y., O’Brien, C., Patterson, E., El Aidy, S., Deane, J., … & Cryan, J. F. (2016). Transferring the blues: Depression-associated gut microbiota induces neurobehavioural changes in the rat. Journal of Psychiatric Research, 82, 109-118.
3. Borrelli, L., Aceto, S., Agnisola, C., De Paolo, S., Dipineto, L., Stifanese, R., … & Menna, L. F. (2016). Probiotic modulation of the brain-gut axis: Influence on gut microbiota, neurobiology, and behavior in zebrafish. Journal of Neuroscience Research, 94(11), 1457-1470.
4. Heijtz, R. D., Wang, S., Anuar, F., Qian, Y., Björkholm, B., Samuelsson, A., … & Pettersson, S. (2011). Normal gut microbiota modulates brain development and behavior. Proceedings of the National Academy of Sciences, 108(7), 3047-3052.
5. Messaoudi, M., Lalonde, R., Violle, N., Javelot, H., Desor, D., Nejdi, A., … & Cazaubiel, M. (2011). Assessment of psychotropic-like properties of a probiotic formulation (Lactobacillus helveticus R0052 and Bifidobacterium longum R0175) in rats and human subjects. British Journal of Nutrition, 105(5), 755-764.
6. Sarkar, A., Lehto, S. M., Harty, S., Dinan, T. G., Cryan, J. F., & Burnet, P. W. (2016). Psychobiotics and the manipulation of bacteria–gut–brain signals. Trends in Neurosciences, 39(11), 763-781.