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Do abuso de substâncias ao jogo patológico: compreendendo o mecanismo das dependências | por: Tulio Siano Rossini

A dependência química é um dos transtornos mentais mais desafiadores e complexos enfrentados pela psiquiatria moderna. Caracteriza-se pelo uso compulsivo de substâncias psicoativas, apesar das consequências negativas que afetam a vida do indivíduo em seu ambiente familiar, profissional e social. Este tema é de extrema relevância tanto para pacientes quanto para profissionais da saúde, pois envolve aspectos biológicos, psicológicos e sociais que necessitam de uma abordagem multidisciplinar.

 

              A dependência química, também conhecida como transtorno por uso de substâncias, ocorre quando uma pessoa se torna fisicamente e/ou psicologicamente dependente de uma substância. Isso inclui drogas ilícitas, álcool, tabaco e até algumas classes de medicamentos. A dependência não se resume apenas ao consumo excessivo, mas envolve também a perda de controle sobre o uso da substância e a continuação do uso apesar das consequências negativas percebidas pelo próprio indivíduo.

 

              Diversos fatores contribuem para o desenvolvimento da dependência química:

• Genéticos: Há uma clara predisposição genética para alguém desenvolver dependência. Pessoas com familiares dependentes químicos têm mais chance de ter problemas com substâncias.

• Ambientais: Situações de estresse, traumas, pressão dos pares e fácil acesso a substâncias são influências significativas.

• Psicológicos: Transtornos mentais, como depressão e ansiedade, muitas vezes coexistem com a dependência, exacerbando a vulnerabilidade do indivíduo.

 

              Os sintomas de dependência química podem variar, mas frequentemente incluem:

• Tolerância: Necessidade de doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito.

• Abstinência: Sintomas físicos e emocionais desagradáveis quando a substância é reduzida ou interrompida. Exemplo: tremores, taquicardia, sudorese, convulsões, crises de choro, irritabilidade, agressividade, alucinações.

• Perda de controle: Incapacidade de reduzir ou controlar o uso da substância.

• Prioridade ao uso: Dedicação de tempo e energia significativos ao uso da substância, negligenciando responsabilidades e interesses. Um exemplo é quando o indivíduo passa a chegar atrasado ou acumula faltas no trabalho, por estar bebendo ou impossibilitado devido à ressaca.

 

              O vício em apostas, também conhecido como transtorno do jogo compulsivo ou jogo patológico, é uma condição que compartilha muitas semelhanças com a dependência química. Ambas as condições envolvem a disfunção no circuito de recompensas do cérebro, levando a comportamentos compulsivos e ao uso repetido apesar das consequências negativas.

 

              O vício em apostas é caracterizado pela necessidade compulsiva de apostar, mesmo quando isso resulta em prejuízos financeiros, problemas pessoais e profissionais. As pessoas com este transtorno frequentemente experimentam uma euforia momentânea ao apostar, seguida por sentimentos de culpa e arrependimento.

 

              Assim como na dependência química, diversos fatores podem contribuir para o desenvolvimento do vício em apostas:

• Genéticos: Uma predisposição genética pode aumentar a vulnerabilidade ao vício.

• Ambientais: Pressão social, estresse e fácil acesso a plataformas de apostas são influências significativas.

• Psicológicos: Transtornos de humor, como depressão e ansiedade, frequentemente coexistem com o vício em apostas.

 

              Os sinais de vício em apostas incluem:

• Preocupação com apostas: Pensamentos constantes sobre apostas, planejamento de futuras apostas ou recordação de experiências passadas.

• Aumento das apostas: Necessidade de apostar quantias cada vez maiores para obter a mesma excitação.

• Tentativas frustradas de parar: Esforços repetidos e malsucedidos para controlar, reduzir ou parar de apostar.

• Mentiras: Mentir para amigos, familiares e terapeutas sobre a extensão do envolvimento com apostas.

 

              O tratamento da dependência química e do jogo patológico é multifacetado e deve ser adaptado às necessidades específicas de cada paciente. As principais abordagens incluem:

• Terapia medicamentosa: Utilização de medicamentos para aliviar os sintomas de abstinência e reduzir os desejos.

• Psicoterapia: Técnicas como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) são eficazes para modificar padrões de pensamento e comportamento relacionados ao uso de substâncias e ao vício em apostas.

• Grupos de apoio: Participação em grupos como os Alcoólicos Anônimos (AA) e Jogadores Anônimos (JA) pode proporcionar suporte emocional e estratégias práticas para manutenção da sobriedade.

• Intervenções psicossociais: Educação, reabilitação vocacional e suporte familiar são componentes cruciais para a recuperação a longo prazo.

• Medidas de saúde coletiva: Deve-se combater o estímulo e dificultar a prática, diferente do que vemos hoje. Banir propagandas de plataformas de apostas em eventos esportivos visa reduzir a normalização e o apelo desses comportamentos, especialmente entre os jovens.

 

              Evidências científicas têm demonstrado que a prática regular de atividade física e uma alimentação saudável podem desempenhar um papel significativo na recuperação tanto da dependência química quanto do jogo patológico.

 

              Alguns benefícios da atividade física são:

• Reduzir os sintomas de abstinência: A prática regular de exercícios físicos pode ajudar a aliviar os sintomas de abstinência e a reduzir os desejos por substâncias ou comportamentos de aposta.

• Melhorar o bem-estar: Exercícios aeróbicos, como corrida e natação, têm sido associados a melhorias no humor e na redução dos sintomas de depressão e ansiedade.

• Aumentar a neuroplasticidade: A atividade física pode promover a neuroplasticidade, ajudando a reparar circuitos cerebrais danificados pelo uso de substâncias ou pelo comportamento compulsivo com as apostas.

 

              Já a alimentação equilibrada pode:

• Melhorar a função cerebral: Nutrientes como Ômega-3, vitaminas do complexo B e antioxidantes são cruciais para a saúde cerebral e podem melhorar a função cognitiva.

• Reduzir inflamações: Dietas ricas em frutas, legumes e alimentos integrais podem reduzir a inflamação no corpo, que é frequentemente elevada em indivíduos com dependência química.

• Evitar compulsões: Manter a concentração de glicose estável através de alimentação saudável, evitando doces e carboidratos simples, ajuda a evitar episódios compulsivos que poderiam precipitar uma recaída.

 

              A prevenção da dependência química e do vício em apostas envolve esforços educativos e a criação de ambientes que minimizem os fatores de risco. Programas de prevenção devem começar cedo – focando em jovens e adolescentes – e abordar a pressão dos pares, habilidades de enfrentamento e a conscientização sobre os perigos das substâncias psicoativas e das apostas.

 

              A dependência química e o jogo patológico são transtornos complexos que requerem uma compreensão profunda de seus muitos aspectos. Como psiquiatras, nosso papel é fornecer suporte contínuo, tratamento eficaz e educação para ajudar nossos pacientes a alcançar e manter a recuperação. Através da combinação de intervenções biológicas, psicológicas e sociais, podemos ajudar a transformar a vida daqueles afetados por essas condições devastadoras.

 

              Manter-se atualizado sobre os avanços no tratamento e nas estratégias de prevenção é fundamental para proporcionar o melhor cuidado possível. Convido a todos a continuarem acompanhando o blog para mais informações e discussões sobre temas relevantes da psiquiatria.

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Jone Loures

– Graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2007 – CREF 034587-G/MG;

– Pós-graduação em Reabilitação Cardiovascular pelo Instituto do Coração da FMUSP (2008).

Ana Cláudia Lima Pícoli

– Graduação em Educação Física pela Faculdade Metodista Granbery em 2009 – CREF 016969-G/MG;

– Curso de Formação em Pilates pela Powerlife (2013);

– Pós-graduação em Ensino de Educação Física para Educação Básica pela UFJF (2015);

– Pós-graduação em Pilates, Reabilitação e Grupos Especiais pela VOLL Pilates (2022).

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– Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2023 – CRP 04/71508;

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Tulio Siano Rossini

– Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina de Teresópolis em 2018 – CRM-MG 79251;

– Especialização em Psiquiatria pelo Hospital São Marcos no interior de São Paulo (2024);

– Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Adriana Kelmer Siano

– Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2000 – CRM-MG 34894;
– Residência Médica em Psiquiatria no Hospital Universitário da UFJF (2004) – RQE 14810;
– Formação em Psicanálise pela SOBRAP de Juiz de Fora (2005);
– Pós-graduação em Psicanálise, Subjetividade e Cultura pela UFJF (2007);
– Mestrado em Saúde pela UFJF (2009);
– Pós-graduação em Psiquiatria Nutricional e do Estilo de Vida;
– Pós-graduanda em Saúde Mental – abordagem Funcional Integrativa (início em janeiro/2024);
– Preceptora da Residência Médica em Psiquiatria do HU/UFJF desde 2014 — coordenadora do Ambulatório de Interconsulta Psiquiátrica e do Programa de Transtornos do Humor.

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